quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Rio














Numa cidade linda eu fui parar certo dia. Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Que cenário encantador, que maravilha!

Certa vez me disseram que o Rio de Janeiro continuava lindo e que lá as pessoas respiravam alegria e vida. Mas também me disseram que lá existia uma guerra civil. E aqui em São Paulo não? Nós, cidadãos do Terceiro Mundo vivemos no inferno. Que diferença faz um viver em um inferno feio e um inferno bonito. Eu prefiro viver num lugar perigoso bonito do que num lugar perigoso feio.

Viver em São Paulo tem suas muitas vantagens. Uma delas é estar no umbigo da América Latina. Mas viver em uma selva de pedras é terrível. Eu quero é ir pra praia tomar uma brisa, subir o morro pra entrar numa floresta e meditar...

São Paulo, minha querida cidade, o que fizeram com você? De uma cidadela agradável, virou uma monstruosidade feita de concreto e aço. Depois que eu terminar minha missão aqui, eu vou te deixar. Minha missão é resgatar a história dos velhos sambistas da Paulicéia. Depois eu quero viver um pouco no berço do samba.

Isso me fez lembra de um partido alto que fiz com o Iuri, meu parceiro no samba e na vida, em algum bar das redondezas da faculdade. Era assim: “Se hoje faz frio lá no Sul/ na Bahia, o calor te deixa a toa/ tem o samba da cidade maravilhosa/ mas eu nasci aqui na terra da garoa”.

Rio de Janeiro é onde a cultura floresceu no Brasil. Onde a musica popular se fez. Lá no Rio está nossas raízes bantas. E na Bahia nossas raízes iorubás. Do negro banto se fez a macumba que se dessacralizou-se e deu no samba. Na Bahia, os iorubás fizeram o candomblé, uma religião muito forte assim permanece até hoje.

O Brasil está lá e é por isso que, depois de cumprida minha missão, eu vou partir para lá.


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Na vitrola do Piruca:

Paulinho da Viola / Memórias Cantando

Primeira parte de seu álbum de memórias (o segundo é o Memórias Chorando, só com choros) de 1976. Este disco eu comprei num sebo por dois contos e ficou muito tempo encostado porque eu tinha muitos discos e CDs para escutar. Até que um dia eu coloquei pra ouvir e simplesmente não parei mais de ouvir. Quem me conhece sabe que quando eu bitolo em um disco eu fico meses a fio sem tirar da vitrola.

Neste álbum, Paulinho canta músicas que tem um significado especial para ele. Três sambas não são dele. São sambas que ele ouvia quando era criança nas rodas de samba promovidas por seu pai. Sambas lindos com poesias divinas: Pra que mentir (Noel Rosa e Vadico), Nova Ilusão (Claudionor Cruz e Pedro Caetano) e Mente ao meu coração (F. Maltafiano).

Destes três, um é especialmente espetacular.

Nova Ilusão (F. Maltafiano)

É de teus olhos a luz
Que ilumina e conduz
Minha nova ilusão
É nos teus olhos que eu vejo
O amor, o desejo
Do meu coração
És um poema na terra
Uma estrela no céu
Um tesouro no mar
És tanta felicidade
Que nem a metade
Consigo exaltar
Se um beija-flor descobrisse
A doçura e a meiguisse
Que os teus lábios têm
Jamais roçaria as asas breijeiras
Por entre roseiras
Em jardins de ninguém
Ó dona dos sonhos
Ilusão concebida
Surpresa que é vida
Me fez das mulheres
Há no meu coração
Uma flor em botão
Que abrirá se quiseres

Poesia espetacular, não?

As músicas do Paulinho são lindas como todas as outras deste gênio da musica popular brasileira. E não só do samba. Aliás, eu não sei como o Paulinho não tem o mesmo reconhecimento dos grandes da MPB. Mas isto é assunto pra outro momento.

Vou deixar a letra de uma pérola sua deste disco.

Cantando (Paulinho da Viola)

Lembra daquele tempo
Quando não existia maldade entre nós
Risos, assuntos de vento
Pequenos poemas que foram perdidos momentos depois
Hoje sabemos dos sofrimentos
Tendo no rosto, no peito e nas mãos
Uma dor conhecida
Vivemos, estamos vivendo
Lutando pra justificar as nossas vidas
Cantando um novo sentido, uma nova alegria
Se foi desespero, hoje é sabedoria
Se foi fingimento, hoje é sinceridade
Lutando, ‘que não há sentido de outra maneira
Uma vida não é brincadeira
E só deste jeito é a felicidade

Há um partido alto (Perdoa) versado com seu grande e genial parceiro Elton Medeiros que tambem assina a parceira do samba Dívidas na faixa 4 do lado A. Destaque para a maluca parceira com Sérgio Natureza (Vela no Breu) e para a nova versão de seu samba Coisas do mundo minha nega, considerada por ele seu melhor samba.

Os músicos também são de primeira. Nos violões, César Faria, seu pai, e Cristóvão Bastas. No cavaquinho, próprio Paulinho do Cavaquinho. No baixo, Dininho, filho do mestre Dino 7 Cordas. Na bateria, Hércules. Na flauta, Copinha. No bandolim, seu irmão mais novo, Chiquinho. E no ritmo, Elton Medeiros, Rafael, Chaplin, Jorginho, Elizeu, Marçal, Dazinho. E não pense que a bateria e o baixo descaracterizaram o samba, porque o Pulinho sempre gravou com eles e sempre ficou bom. Este é um timaço.

Um disco cativante, que já está na minha vitola há dois meses.

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