domingo, fevereiro 26, 2006

No Carnaval

“No Carnaval, não vou mais sair sorrindo...” dizia Elton Medeiros. Com razão. Ainda mais agora que os desfiles das escolas de samba viraram, assim como o futebol, mais um produto da Globo.

O carnaval do luxo e do espetáculo não se faz mais com samba. Existe tudo nos desfiles da Globo, menos samba.

E eu em casa num sábado triste de carnaval encontrei uma programação de samba (o verdadeiro!) na Cultura. Logo de cara, um show da rainha Quelé, nossa grande Clementina de Jesus. Quanta diferença entre um samba da antiga com a esculhambação rítmica que se tornou uma escola de samba. No desfile de São Paulo tinha um puxador que falava “Tira o pé do chão!”. Cartola deve ter remexido no túmulo. Para ele um desfile de escola de verdade era aquele que se escutava o arrastar da sandália na avenida.

“Arrasta a sandália aí, morena”
“Arrasta a sandália aí, morena”

E não “Tira o pé do chão”

Os sambas-enredo foram tomando uma forma absurda. Ele tem de ser bem fácil (pobre) para colar na cabeça. E tem de falar de alguma coisa financiável. A Mangueira ganhou quinhentos mil reais do Governo do Ceará para falar sobre o Rio São Francisco. O problema é que o carnaval local é pobre e quase não teve investimento público.

Isso quando os enredos não chegam ao absurdo de homenagear o Beto Carrero, a Xuxa... A Velha Guarda da Portela deve sentir falta do tempo em que se desfilavam com sambas de improviso na avenida. Uma época em que a festa era pobre, mas era brasileira, espontânea. Hoje é apenas mais um produto na estante da Globo. Um produto para ser passado depois da novela (ou do Big Brother), assim como o Campeonato Brasileiro de futebol e o show dos Rolling Stones.

E ao passo que mais um capítulo da degeneração cultural brasileira se escreve neste carnaval de 2006, vejo na televisão a grande Clementina cantando partido alto. Logo depois veio o Black-Out e o Zé Kéti, a voz do morro, emérito compositor portelense.

Black-Out, ou simplesmente Blecaute, é uma figura que se perdeu nos dias de hoje: o cantador de marchinhas. Hoje em dia os nomes do carnaval são outros. Nada de Ary Barroso, Lamartine Babo, Carmem Miranda, Blecaute... Hoje os nomes são Ivete Sangalo, Daniela Mercury e Chiclete com Banana.

Fizeram até um concurso de marchinhas, mas não adianta. Tem coisa que não se muda de um dia para o outro. Os neo-foliões não querem saber de musica boa. Querem pular. “Tira o pé do chão!”. Não brincam mais no carnaval.

E o samba esquecido então, hein? Gente que é lenda do carnaval está esquecida. Nossas velhas guardas esquecidas e o Bono Vox ovacionado na Bahia. O Paulo da Portela no esquecimento e DJs tocando suas pick-ups em pleno Carnaval de Salvador. Até funk vai tocar no Carnaval... E o samba? Só na TV.

Próximo bloco: Zeca Pagodinho e sua turma do Cacique. Escuto bateria e baixo. Poderia ter passado sem essa, Zeca. Gosto mais quando você faz versos de improviso com Paulinho da Viola.

E por falar no Paulinho, acho que ele só sai amanhã, num especial sobre samba de terreiro que a Cultura vai passar as 20 horas. Já vi este programa e vou ver de novo. Chama-se “Enredos”. Muito bom.
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Agoniza mas não morre. E assim vai sobrevivendo nosso samba, filho do maxixe e do batuque, neto da polca, da habanera e do lundu, primo do jongo e do samba de roda. Nossa maior expressão cultural na área musical encontra-se por baixo. A moda é o funk, o axé, a música eletrônica, o forró universitário e até o reggae...

A indústria cultural chegou tarde para o samba. Encontrou seu filho bastardo, o “pagode” (não confundir com a expressão original, que significa festa de samba), e popularizou o gênero errado.

Infelizmente a moçada conhece o grupo Revelação e não sabe nem quem foi o mestre Candeia. Tampouco sabem que existe um gênio, uma lenda viva da música popular brasileira, chamado Wilson Moreira Serra.

Vou encerrar este lamento e ficar apenas curtindo o meu samba. Esse “pagodinho”do Zeca já está me irritando. Vou escutar um CD da Cristina Buarque até que um samba de verdade voltar a invadir a telinha.

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