segunda-feira, junho 27, 2005

A mercantilização da cultura

O tempo se encarregou de industrializar a nossa cultura. Basta lembrar como eram as coisas antes... O futebol, a música, as escolas de samba, as artes... Tudo perdeu sua espontaneidade. O dinheiro entrou na parada com tanta força que desvirtuou a cultura brasileira.

No começo do século passado, o dinheiro já tinha um peso enorme. Como hoje, as pessoas buscavam mais e mais dinheiro para poderem ter cada vez mais conforto. O dinheiro, porém, estava ligado ao comércio, à industria, aos serviços. A busca intensa se restringia a alguns setores da sociedade. A música, a dança, o futebol e o carnaval eram instrumentos de descontração, desvinculados do capitalismo, desvinculados da busca insana pelo capital.

Conforme o século avançou, o dinheiro tomou conta de tudo. Tudo virou mercadoria. Até a água já virou mercadoria. E o que era diversão virou negócio.

O futebol

Os brasileiros nascem, crescem e morrem torcendo por um time de futebol. Os paulistas torcem para Santos, Corinthians, Palmeiras ou São Paulo; os cariocas, para Flamengo, Fluminense, Vasco ou Botafogo; os gaúchos para Inter ou Grêmio... Todo brasileiro já nasce no meio do futebol. O tio vai dar uma camiseta do Corinthians e a mãe, palmeirense, não vai gostar. Mas o avô é são-paulino e o pai é santista. E aí? A primeira decisão importante na vida de um brasileiro é a escolha do time do coração. Muitas vezes há uma influência, outras vezes a criança vira a casaca e ignora o time do coração do pai. A paixão começa a aflorar e mais um torcedor fanático está formado.

Esta paixão que arranca lágrimas de alegria e dor, que traz felicidade e tristeza, que gera comoção e êxtase, decepção e sofrimento, remonta ao começo do século. Nossos ancestrais já vibravam e choravam por causa do nobre esporte bretão.

Privilegiados, nossos pais e avós viram um esporte que ainda não era um negócio. Viram atletas jogarem por amor. Viram jogadores comerem a bola por décadas a fio no mesmo time. O salário não era dos melhores, mas mesmo assim rejeitavam-se propostas de clubes europeus. Preferiam ver um estádio lotado (muito comum naquela época) vibrando com o time do coração.

Os jogadores se identificavam com o clube e lá ficavam. Gostavam de ganhar muitos títulos por um mesmo clube, gostavam de serem idolatrados pela torcida. Pelé quase duas décadas no Santos, Ademir da Guia fez sua carreira no Palmeiras e Rivellino, apesar de não ter ganhado títulos, foi o grande ídolo do Corinthians por muitos e muitos anos. O futebol era amador, no sentido literal da palavra.

Chegaram os anos 90. Os salários foram ficando cada vez maiores e os jogadores já não ficavam tanto tempo no mesmo clube. Agora, os europeus já não poupavam mais dinheiro e nossos melhores atletas foram ganhar muito, mas muito dinheiro no Velho Continente. O futebol se tornou um negócio extremamente lucrativo para personagens nefastos que não existiam antes: os empresários.

As transações milionárias se tornaram muito freqüentes. Se por um lado, isso fez com que nossos melhores atletas fossem para o exterior, abriu espaço para uma renovação sem precedentes no futebol brasileiro. A cada ano surgem craques que depois de uma ou duas temporadas (justamente quando o futebol está amadurecendo) vão embora.

A renda dos clubes vem, principalmente destas transações. Uma outra fonte importante é o dinheiro que vem das TV, mais importante que a renda de bilheteria. Talvez por isso os estádios vivam às moscas e a renda da bilheteria seja irrisória.

O abismo entre o futebol sul-americano e europeu é incrível. Os brasileiros e argentinos são os melhores e vão brilhar na Europa. As ligas de lá são repletas de craques, mas esta realidade faz com que surjam poucas revelações européias. Por exemplo: como é que uma jovem revelação do Real Madrid irá cavar seu espaço num time cheio de estrelas como Ronaldo, Raúl, Morientes, Owen, Beckham, Figo e Zidane?

O negócio da bola é diferente por lá. Os europeus não precisam vender craques para sustentar o clube. Ao contrário, eles compram craques com dinheiro que vem de bilheteria e venda de produtos licenciados. É o capitalismo do futebol: os subdesenvolvidos são privados de ver seus craques em campo. Só na seleção (e ainda assim por um preço incompatível com a realidade brasileira).

Esta diferença no negócio da bola felizmente tem um lado bom: pipocam craques no Brasil. Temos uma leva tão boa para a próxima Copa (fruto da renovação forçada) que nenhuma seleção européia conseguirá parar. A industrialização do futebol tira nossos craques daqui e impede que o Brasileirão seja uma liga forte. Felizmente, o preço que os europeus estão pagando é muito alto: o Brasil é penta e tende a abocanhar as próximas Copas.

A música

Quando ainda era jovem, Cartola, fundador da Mangueira e um dos maiores gênios da música brasileira, foi abordado por um senhor que queria comprar suas composições. Ele não entendeu nada. Vender um samba, para ele era impossível. Era como vender um sorriso, vender um gracejo, vender o vento... Quando, por fim, entendeu como funcionava a indústria fonográfica, acabou cedendo e seus sambas passaram a ser gravados por artistas como Mário Reis e Francisco Alves.

Cartola nunca ganhou o dinheiro que ele merecia. Só foi gravar nos anos 70... Os compositores não recebiam o merecido reconhecimento. Apenas os intérpretes... Com o tempo isso foi se alterando, mas a industrialização da música se acentuou...

A busca pelo sucesso fez com que as músicas passassem a serem feitas com o claro objetivo de fazer sucesso. O negócio, quando bem feito, é muito lucrativo. A inspiração deu lugar a encomenda. A busca por belas melodias deu lugar a músicas pobres que caem na boca do povo.

O lixo é geral. Não se vêem novas tendências na música. Com a brilhante exceção do movimento mangue beat (dilacerado precocemente com a morte de Chico Science), a cena musical brasileira na última década foi medíocre. O surgimento das bandas de Axé foi uma das piores coisas (se não for a pior) que já aconteceram em toda história da música popular brasileira. É muita busca por dinheiro e muita indecência.

A boa música sobrevive marginalizada. Os estrangeiros valorizam mais a nossa boa música do que nós mesmos. Nossas rádios tocam Avril Lavigne e não tocam Candeia. Tocam Outcast e não tocam Pixinguinha. Tocam Britney Spears e não tocam Benedito Lacerda. Tocam Shakira e não tocam Cartola... Lamentável.

O rio de dinheiro que corre para produzir o disco novo do É o Tcham muito bem poderia ser investido na recuperação de gravações históricas de nossos gênios da música. Mas não, o carnaval da Bahia precisa de novos hits a cada ano...

O carnaval

Deveriam até mudar o nome. De tão descaracterizado que foi, o carnaval de hoje não merece mais esse nome. Sim, porque o carnaval era a expressão do povo, era cultura popular, era amor e emoção. E o que é hoje? Uma indústria, voltada para o turismo. O carnaval hoje é um produto para vender para gringo...

As escolas de samba, símbolos do carnaval, há tempos perderam seu amadorismo. É tanto interesse que nem sobra mais espaço para os verdadeiros sambistas das escolas. Turista que nem sabe a história da escola desfila, gostosas da Playboy são as rainhas da bateria e grandes indústrias investem com muito interesse. Por exemplo: o enredo da Mangueira (nem ela está salva!) fala sobre energia. Sabe quem investiu no desfile? A Petrobrás. E por aí vai.

A desvirtuação é enorme. Fica a saudade de quem já viveu tempos melhores e a tristeza de quem não viu e nem vai ver um verdadeiro carnaval.

Daqui a pouco precisaremos ir a um museu para bebermos o néctar da (real) cultura brasileira.

7 comentários:

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