segunda-feira, agosto 06, 2007

A incrível saga de um jovem farrista

Toda vez que Cláudio saía para a balada, era aquele alvoroço. Seus pais já estavam cansados de tanta farra. Domingo, segunda, terça, quarta... Todo dia era dia para pra Cláudio ir para a gandaia. Mas aquela quinta-feira reservaria algo diferente para este jovem farrista.

Ao sair de casa, passou no cafofo de Juca, e foram ambos tomar uma gelada na birosca do Mathias. Juca estava um tanto ansioso com o encontro que teria com Mariana naquela mesma noite. Cláudio estava tranqüilo. Iria tentar se engraçar com alguma moça que lhe desse mole. No último mês ele, um sujeito um tanto bem-apessoado, tinha ficado com quatro garotas diferentes. Não lembrava o nome de nenhuma delas.

Juca também já teve sua fase galinha. Até que um dia ele conheceu Mariana, uma morena de olhos verdes e cabelos encaracolados. Uma mulher irresistível. Ao conhecê-la, Juca ficou bobo. Faltou-lhe o ar, o coração disparou e suas mãos começaram a suar. Paixão à primeira vista é assim mesmo. Paixão de mão-única, porque Mariana não deu a menor bola para aquele rapaz que tinha fama de cafajeste.

Quem também reparou em Mariana (e quem não reparava?) foi Carlinhos, antigo amigo de Juca. Carlinhos flertou, flertou, flertou, mas nada conseguiu. Na verdade, ninguém conseguira nada com ela. Era uma mulher difícil, orgulhosa... Não era de ficar de rolinhos. Com ela, o negócio era sério. Um beijo não era só um beijo. Nesse ponto, Mariana era uma mulher tradicional.

Como não consegui sequer um olhar de Mariana, Carlinhos desistiu. E abriu caminho para Juca. Ele insistiu tanto que, certo sábado de sol, conseguiu roubar um beijo da linda dama. A partir daí, o romance foi se firmando... Até virar namoro e agora todos invejam a sorte de Juca.

Todos menos Carlinhos, seu fiel companheiro. Este aí já teve em suas mãos mulheres mais atraentes que Mariana. Mas seus encontros nunca passavam da primeira noite. Era uma lei para ele: começava um romance a se firmar, ele pulava fora. Isso até a quinta-feira fatídica.

Na birosca do Mathias, a cerveja rolava solta. O samba esquentava o ambiente e Juca só pensava em Mariana, aquela tetéia. Cláudio não pensava em nada, apenas sorvia aquela cervejinha gelada e deixava-se balançar ao som da gostosa batucada que dominava o ambiente.

Cláudio era um sujeito alto, forte, bom papo e um tremendo pé-de-valsa. Naquela quinta-feira, já tinha traçado suas estratégias para a noite: iria tomar mais algumas cervejas e partiria, juntamente com Juca e Mariana para a festa de aniversário do Batata. Seria mais uma noite comum. Seria...

Estratégia traçada, foram os três para a festa do Batata. Além de seu aniversário, também seria comemorado o retorno ao Brasil de Júlia, após dois anos na Espanha. Para esta turma, qualquer coisa era motivo de festa.

Júlia não tinha a beleza de Mariana. Mas compensava com todo o seu charme e sensualidade. Era daquelas mulheres que transbordavam elegância. Depois de passar uma temporada na Europa, então... Voltou com tudo. Foi o destaque da festa.

Quando os olhos de Cláudio fitaram os olhos de Júlia, algo de diferente aconteceu. Pela primeira vez, em muitos anos, Cláudio não sentiu apenas atração por uma mulher. Agora ele sentia um calor invadir seu peito. Segurou a emoção e fingiu naturalidade. Ele tinha que manter a pose.

Durante algumas horas ele, de fato, manteve a pose. Mas era impossível resistir àquela dama. Ele notou, então, que aquela atração era forte demais. A paixão estava no ar, apesar dele relutar em admitir isso.

E tinha algo que o incomodava. Ele conhecia aquela garota de outros tempos. Mas não tinha idéia de onde. Em sua louca juventude, Cláudio já sofrera diversas vezes de “amnésia alcoólica”, principalmente quando a bebida em questão era a vodka. Assim sendo, muitas mulheres que passaram pela vida dele foram sumariamente apagadas de sua memória.

Ele não sabia, claro, mas Júlia era uma delas. Certa vez, durante uma viagem à Bahia, ele teve um fugaz romance com ela (por fugaz romance leia-se uma noite, ou algumas horas, de intenso amor). Porém, devido ao seu alto grau etílico, ele esquecera completamente dela. Mas ela não esquecera dele...

Júlia não se esquece dos homens que passam em sua vida. Não importa a duração do romance. E Cláudio ficou gravado em sua mente. Naquela viagem à Bahia, ele foi quem mais a encantou. Voltou para São Paulo apaixonada por ele. Paixão esta que logo se dissipou quando ela o viu de mãos dadas com uma jovem colegial na sorveteria (Cláudio era assim: levava as meninas para a sorveteria e as mulheres para o bar).

Ela não se conformara em ser trocada por uma “criança”. Ela ficou, de fato, muito irritada. Com o orgulho ferido, prometeu para si mesma que iria desprezar categoricamente Cláudio.

E foi o que ela fez na festa. Ignorou completamente o rapaz. Ele, completamente fora do ar, não entendeu nada. Ficou tentando chamar a atenção dela a noite toda. Mas não conseguiu nenhum sorriso. E mais, só para provocar Cláudio, Júlia ficou de conversa fiada umas boas horas com diversos rapazes.

Pronto, isto foi o que bastou para Cláudio cair do seu altarzinho imaginário. Ele estava na crista da onda, mas caiu. Era o rei da cocada preta, mas foi desprezado.

No dia seguinte, passou o dia todo em casa. Deixou até de ir beber com os amigos, que acharam tudo isso muito estranho. Juca, que tivera uma noite maravilhosa com Mariana, foi visitar o amigo. Estava preocupado. “Que acontece com você? Nunca te vi assim...” perguntou Juca. “Putz, Juca.... Que foda!! Fiquei caidinho por uma mina ontem na balada. Mas ela me ignorou totalmente. Não sei o que acontece. É a menina que voltou da Espanha... Júlia... Que gatinha!! Tenho a impressão que eu conheço ela de algum lugar, mas não sei onde... Nossa, fiquei apaixonado...”

Juca apenas riu quando ele citou o nome de Júlia. Que tonto! Como alguém podia se esquecer de uma mulher como Júlia? Juca se lembrava muito bem do fugaz encontro que Cláudio tivera com Júlia na Bahia. Mas Cláudio estava inconsolável. Não lembrara de nada e estava apaixonado por aquela dama que o desprezara na véspera.

A verdade, então, começou a vir à tona. “Seu mané! Como você não se lembra dela? Você ficou com ela na Bahia!! Naquela festa que teve na praia! Como você não se lembra?” perguntou Juca. Cláudio se levantou da cama e começou a andar de um lado para o outro. “Como assim? Eu fiquei com ela na Bahia? Não lembro!! Que fase, meu Deus!” disse o desesperado Cláudio.

De fato, ele estava em uma sinuca de bico. Não queria mais saber de gandaia. Queria Júlia! Mas ela era orgulhosa e não tinha a menor intenção de se envolver novamente com aquele canalha.

Durante quase um mês, Cláudio não saiu pra a balada. Seus pais comemoravam. Enfim, o filho deles tinha tomado jeito. Mal sabiam que era apenas uma sofreguidão de amor que o enclausurava em casa. Juca e Mariana estavam preocupados. Hélio, seu primo mais novo (tinha apenas 16 anos) e mascote da turma, também visitava quase todo dia o familiar sofredor. Sabia que o primo sofria por causa de mulher, mas não sabia quem era a culpada e muito menos a razão de Cláudio sofrer tanto. Hélio mal sabia, mas elel mesmo seria um instrumento de vingança nas mãos de Júlia.

Hélio era o contrário de Cláudio: um sujeito pacato, caseiro e decente com as mulheres. Também era boa-pinta. Mas era tímido e isso fazia com que não tivesse muita sorte com as mulheres. Isso até ele entrar no joguinho de Júlia.

Ela estava vibrando em saber que Cláudio sofria por ela. Todos já sabiam a causa da angústia dele. Mas ela ainda não havia terminado sua vingança. Ela queria ficar com um “pivete” na frente dele. Este “pivete” já estava escolhido por ela: era Hélio.

Júlia era meticulosa. Ela esperou baixar a poeira, voltou a conversar com Cláudio e deu bola para ele só para ele pensar que iria conseguir algo. Durante dois meses, Cláudio ficou “pedalando” pra cima de Júlia. Ela sempre esquivava, mas deixava uma esperança no ar. Isto era parte do plano. Esperou a data certa para finalizar com Cláudio.

O dia escolhido foi o Reveillon. Todos muito felizes e cheios de boas-intenções. Hélio era tão devagar que nem percebeu que Júlia o fitava sem parar. Cláudio, claro, percebeu que sua amada dava bola pra seu primo. Mas nem botou fé. Afinal, aquele mulherão era areia demais para o caminhãozinho de Hélio.

Hélio, então, depois de muito tempo, reparou na investida de Júlia. A princípio, não acreditou. O que aquela linda mulher de 25 anos iria querer com um adolescente?

Depois de algumas horas, Júlia foi até Hélio e puxou conversa. Estava linda, com belíssimo vestido florido e uma sandália de dedo. Estava esplendorosa, totalmente irresistível. Se aquela conversa durasse mais 20 minutos ele sucumbiria à tentação. Mas bastaram sete minutos para Júlia tascar um beijão em sua boca, para tremenda decepção de Cláudio.

Dizem que homem não chora, mas Cláudio teve que sair de fininho para não fazer feio na frente de todo mundo. Andou até a praia e chorou. Ficou com raiva de Júlia e com ódio de Hélio. Queria matar seu primo, aquele pivete! Depois de verter muitas lágrimas, ele se endereçou para o primeiro bar. Por coincidência, era a birosca do Hélio.

Lá ele tomou duas batidas de limão, comeu uma porção de torresmo e chorou. Como chorou naquela noite! Nunca mais seria o mesmo farrista. Nunca mais machucaria um coração de uma mulher. Nunca mais seria um canalha. Sua vida amorosa mudaria da água para o vinho. Trataria tão bem as mulheres que elas abusariam dele. A partir dali, não seria mais o Cláudio, “o pegador”. Dali pra frente, sua alcunha seria outra: Claudinho Antena, o maior corno da região.